Estavam todos perdidos. Sabiam do seu destino, deteminado no momento em que se perderam naquela escuridão de morte. Uma ceverna. Caverna sem saída, sem luz, sem esperança. Tudo o que tinham eram eles próprios, um punhado de homens e mulheres que alternavam-se no conjunto e no individual, na micro-socidade criada por um bem comum e no “eu” de cada um, que era, sem dúvida, maior e mais profundo do que qualquer caverna, e, naquele momento, mais perigoso, também.
E era por isso que se mantinham juntos. Todos bem organizados, apesar de melancólicos, realizavam atividades diversas, para o bem comum. Alguns menos angústiados que outros, ou menos pessimistas, por assim dizer, tentavam encontrar uma maneira de sair da caverna, de reencontrar o mundo que, há tempo, não mais viam. Nem que uma pequena fresta, um mínimo raio da luz do Sol. Outros, enfiavam-se mais e mais para o fundo da caverna, seja como medida de desespero ao tentar encontrar a saída, seja por morte da esperança, que no final, era apenas o convencimento, a dura realidade, o fim da auto-enganação.
Ainda assim, todos realizavam suas tarefas específicas. Menos os loucos, os que se perderam nas profundezas da própria mente, também. Estes eram motivo de mais uma ocupação, inclusive: os cuidadores. Aqueles que tinham uma certa habilidade em acalmar as angústias insanas daqueles que encontravam-se fora dalí, em locais mais, ou menos, aterrorizantes.
Num certo momento encontrou-se sentado no chão. Ou seria o teto, isso aqui? Não havia mais certeza de nada. Todos os anos de estudo não lhe adiantavam nem para saber se estava sentado no teto ou no chão, se encostava a mão na parede ou na porta, se era caverna ou era nada. Ou seria aquilo, tudo? Sentiu medo, e parou. Sabia que a insanidade poderia bater-lhe à porta. Ou estaria já batendo? Receberia-a, sem dúvida. É inevitável abrir a porta para a insanidade, quando ela quer entrar. Não depende de mim.
Não sabia há quanto tempo não trabalhava. Sabia apenas que não cumpria seus afazeres. Tavlez um descanso, cinco minutos. Ou tinham se passado dias sem exercer seu ofício? Qual era mesmo? Parou.
Talvez sentia-se confrtável com aquilo tudo. Apesar de não ver, sabia que estavam todos lá, fazendo o que tinham que fazer. E se se tornasse louco, cuidariam dele. Até a morte, já que a esperança, para ser sincero, não existia mais em seu coração. Enfiava-se mais e mais para o fundo de sua mente e pensava.
Uma voz soou e ele, estranhamente, não a reconheceu. Havia, com certeza (certeza?), um punhado de gente lá dentro, e ele conhecia (conhecia?) todas as vozes desse punhado de gente.
“Quem é?” Perguntou.
“Oi, sou eu! Não se lembra de mim, cara?”
“Não. Não me lembro de você, ou, da sua voz. Me desculpe.” Respondeu, achando que havia se enganado de alguma forma. Convenceu-se de que sua impressão era menos real, ou menos confiável, que o próprio dono da voz.”Se essa pessoa disse que eu deveria me lembrar dela, pois então eu deveria. São só impressões...” Pensou, e interrompeu o pensamento.
Veio o espanto. Repentinamente lembrou-se da voz, e de seu dono. Era um antigo amigo. Sim, tinha certeza disso. E também tinha certeza de que ele não fazia parte do punhado de gente que tinha se perdido na caverna.
“Ora, se não é você! Me lembrei, sim.” Ficou feliz, e melancólico quase que instantâneamente:
“É uma pena, você também se perdeu aqui. Eu não sabia. Diga, como foi?”
“Você enlouqueceu, cara? Eu não me perdi! Só estou de passagem. É obvio que eu sei como voltar.” E dizendo isso, ria do absurdo dito pelo antigo amigo.
“Pois então me conte! Estamos todos presos aqui! Mostre o caminho de volta!” Disse, com a alma cheia de esperança.
E assim, seguiu os passos do salvador. Andaram pela caverna por alguns minutos, e ele então teve clareza do tempo transcorrido. Estranhou: Achava que o caminho para fora seria árduo, demorado. Foi tudo muito fácil. Era uma rocha que parecia uma porta, teve certeza de que era uma porta.
Admirou-se: Uma estrada! Uma estrada! A claridade, não tão intensa, uma vez que chovia. Mas iluminava! Iluminava e mostrava as coisas para ele! Tinha certeza absoluta de que era uma estrada, com árvores, e asfalto. Era uma rodovia! A cidade não deveria estar longe! Estou salvo!
Tinha que avisar os outros. Tinha que mostrar o caminho que levava ao mundo, à verdade.
Voltou para a caverna aos berros: “CONSEGUI! O CAMINHO PARA FORA! EU ESTIVE LÁ! VAMOS, VAMOS! “
Ninguém deu ouvidos. Foi plenamente ignorado.
“Ora, vamos. Eu sei o modo de sair. Não é tão difícil. É bem fácil, na verdade.”
Ninguém.
“Pois bem, então! Fiquem aí! O conforto da certeza tomou conta de vocês, não é? Estão todos descrentes, enfiados no fundo da caverna, com medo de sair! Fiquem ai, vocês, confortáveis em tentar descobrir uma forma de conhecer essa verdade! Fiquem ai, vocês, confortáveis com a certeza da morte! Eu achei a saída, descobri a verdade! Eu sou lúcido, e vocês são loucos! Eu estou vivo, e vocês já morreram!”
E saiu.
Passou por entre as árvores e chegou na estrada. Não tinha percebido antes, mas agora não via nenhum carro passando pela rodovia, e a chuva caia mais forte.
Andou. Andou e sentiu frio por causa da chuva que caia cada vez mais forte. Mais do que frio, sentia solidão. Solidão que não sentia na caverna.
“É desconfortável, mas é o mundo! Não é mais a caverna. Esse é o mundo real, é a verdade!” Convenceu-se
“Eu hei de chegar à cidade, encontrar as pessoas lúcidas e vivas, como eu.”
Então uma dúvida surgiu em sua mente. E uma tristeza atravessou-lhe o peito: e se não existe nenhuma estrada? E se, de fato, não havia nenhuma saída, nenhuma verdade? E se a verdade era a caverna, e só a caverna? E se foi tudo uma ilusão?
Eu enlouqueci?
Então a estrada se desfez, e num piscar de olhos, estava ele na escuridão da caverna. Agora sozinho, louco, enfiado mais e mais no fundo da caverna.